A série sobre o uso do POCUS no atendimento pré-hospitalar (APH) ao paciente vítima de trauma já foi publicada anteriormente. Neste artigo iremos comentar o que a literatura diz sobre a utilização da ultrassonografia no APH ao doente crítico não traumático.
Na procura sobre esse tema, pode-se perceber um aumento em número e qualidade das publicações, principalmente nos últimos 10 anos.
A partir dessas publicações, foi possível listar as principais indicações para realização do POCUS durante o atendimento ao doente crítico: dispneia, insuficiência respiratória aguda, choque/hipotensão, síncope e parada cardiorrespiratória. No cenário da dispneia e insuficiência respiratória aguda, o POCUS do pulmão e da pleura se mostrou bastante útil. 1,2,3 Os estudos da veia cava inferior e do coração também se destacaram.3 Em cerca de 34,9% dos pacientes a ultrassonografia demonstrou alterações. Em 39,1% dos pacientes a ultrassonografia foi utilizada para confirmar o diagnóstico e com uma precisão de até 75,8%.3
No cenário da insuficiência respiratória aguda e na análise dos espaços pleural e pulmonar, a presença ou ausência de linhas B e de derrame pleural tem uma boa acurácia para confirmar ou excluir insuficiência cardíaca (IC) e congestão pulmonar.
Com relação às linhas B (Vídeo 1), o valor preditivo negativo (VPN) foi alto, 94%, mas o valor preditivo positivo (VPP) foi mais baixo, 77%.1 Em outro
trabalho, a presença das linhas B demonstrou uma sensibilidade de 100%, especificidade de 95%, com VPN de 100% e VPP de 96%.2 Nessa situação, permitiu o diagnóstico diferencial da dispneia oriunda da IC, Asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e embolia pulmonar.2 Enquanto na IC com edema pulmonar a síndrome intersticial (linhas B) predominou, na Asma, no DPOC e na embolia pulmonar, o padrão A é o mais encontrado.
A presença de derrame pleural (vídeo 2) é um marcador altamente sensível da presença de IC, podendo chegar a 100%. O POCUS possibilitou mudança da terapêutica em 25% dos pacientes.1 O vídeo 3 mostra avaliação qualitativa da função cardíaca na janela apical.
Em um trabalho, a associação do POCUS conjuntamente com a dosagem de beira do leito do fragmento N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT-ProBNP) aumentou a sensibilidade, especificidade, o VPP e o VPN para 100%.
Em pacientes com parada cardiorrespiratória (PCR), clínica ou traumática, a realização do POCUS se mostrou factível em 80 a 90% dos pacientes, inclusive quando utilizado por paramédicos. Nessa situação, a presença do “cardiac standstill” (vídeo 4), ou seja, ausência de atividade muscular cardíaca”, demonstrou um valor preditivo positivo para óbito de 97,5%, sendo que, a presença de atividade muscular cardíaca (vídeo 5), demonstrou um melhor prognóstico.1 A ultrassonografia também propiciou mudança do tratamento em 29% dos pacientes, ou seja, término das manobras de reanimação.1 Deve haver uma preocupação constante para que a realização do POCUS não retarde ou interrompa as manobras de reanimação cardiopulmonar.
Para que o POCUS seja bem utilizado, interpretado e sem perda de tempo no ambiente pré-hospitalar, é necessário treinamento prévio e construção de protocolos.1 O treinamento deve combinar teoria, prática simulada e exames supervisionados.1
Em resumo, o POCUS parece promissor em vários cenários, tendo destaque no da insuficiência respiratória aguda, dispneia e exame dos espaços pleural e pulmonar. Em outras situações críticas parece promissor. No geral, parece melhorar a eficácia diagnóstica e com potencial de melhorar o direcionamento do paciente dentro da rede de urgência/emergência para um cuidado mais adequado. Mais publicações são necessárias para demonstrar o papel do POCUS na melhora dos desfechos de morbimortalidade. Treinamento prévio é necessário.
Vídeos (arquivo pessoal do autor) |
Vídeo 1: múltiplas linhas B (artefato em cauda de cometa) em vários espaços intercostais. É significativo quando encontrados nas regiões anterior e lateral do tórax. Vídeo 2: derrame pleural em região lateral do tórax. Vídeo 3: avaliação qualitativa do coração na janela apical 4 câmaras: derrame pericárdico pequeno, hipocinesia moderada do ventrículo esquerdo (observe a contração diminuída durante a sístole do VE, o septo se movimenta pouco e o folheto anterior da válvula mitral não chega até o septo; fração de ejeção calculada pelo ecocardiograma de 39%). Vídeo 4: Cardiac Standstill durante PCR: ausência de motilidade da parede cardíaca. Vídeo 5: Presença de motilidade da parede cardíaca durante PCR. |
Leituras sugeridas:
Leitura de base para entendimento do tema: Lichtenstein DA,Mezière GA. Relevance of lung ultrasound in the diagnosis of acute respiratory failure: the BLUE protocol. Chest. 2008 Jul;134(1):117-25. doi: 10.1378/chest.07-2800. Epub 2008 Apr 10. Erratum in: Chest. 2013 Aug;144(2):721. PMID: 18403664; PMCID: PMC3734893. Link para o artigo: 10.1378/chest.07-2800 |
1. Bøtker MT, Jacobsen L, Rudolph SS, Knudsen L. The role of point of care ultrasound in prehospital critical care: a systematic review. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2018 Jun 26;26(1):51. doi: 10.1186/s13049-018-0518-x. PMID: 29940990; PMCID: PMC6019293.
Link para o artigo: 10.1186/s13049-018-0518-x
2. Prosen G, Klemen P, Štrnad M, Grmec S. Combination of lung ultrasound (a comet-tail sign) and N-terminal pro-brain natriuretic peptide in differentiating acute heart failure from chronic obstructive pulmonary disease and asthma as cause of acute dyspnea in prehospital emergency setting. Crit Care. 2011;15(2):R114. doi: 10.1186/cc10140. Epub 2011 Apr 14. Erratum in: Crit Care. 2011;15(6):450. PMID: 21492424; PMCID: PMC3219397.
Link para o artigo: 10.1186/cc10140
3. Ienghong K, Cheung LW, Tiamkao S, Bhudhisawasdi V, Apiratwarakul K. The Utilization of Handheld Ultrasound Devices in a Prehospital Setting. Prehosp Disaster Med. 2022 Apr 18:1-5. doi: 10.1017/S1049023X22000644. Epub ahead of print. PMID: 35435155.
Link para o artigo: 10.1017/S1049023X22000644
Imagem do cabeçalho: https://www.istockphoto.com/br/foto/edema-pulmonar-%C3%A1gua-nos-pulm%C3%B5es-gm498526185-42146882; Shutterstock
NOTA IMPORTANTE: a utilização das recomendações deste texto não substitui o estudo ou o treinamento prévio do profissional de APH em ultrassonografia POCUS. Esse material não se encaixa em revisão da literatura ou protocolo. Mantenha-se atualizado com a literatura sobre o assunto e com os protocolos do seu serviço de APH.