Point-of-care ultrasound (POCUS): unnecessary gadgetry or evidence-based medicine?
Smallwood N, Dachsel M. Point-of-care ultrasound (POCUS): unnecessary gadgetry or evidence-based medicine? Clin Med (Lond). 2018 Jun;18(3):219-224. doi: 10.7861/clinmedicine.18-3-219. PMID: 29858431; PMCID: PMC6334078.
Link para o artigo original: DOI: 10.7861/clinmedicine.18-3-21
Nota: artigo comentado livremente e em conjunto com a opinião pessoal do autor.
Nos últimos 20 anos e, mais intensamente na última década, houve um aumento expressivo na utilização do POCUS na Inglaterra e no mundo todo, incluindo o Brasil. No hospital metropolitano Odilon Behren, onde iniciei e propaguei o POCUS, os principais departamentos possuem um aparelho para utilização à beira do leito: Unidade de Pronto Atendimento (UPA), sala de emergência, unidade de terapia intensiva adulto e neonatal, bloco cirúrgico e enfermarias clínica e cirúrgica, adulto e pediátrica.
O acesso venoso central (em 2002) e os procedimentos pleurais (em 2008) foram incluídos na lista de intervenções que ficam mais seguras quando guiadas por ultrassonografia.
O FAST, focused assessment of sonography in trauma, tornou-se amplamente utilizado e em 2010 foi colocado no currículo da medicina de emergência do Royal College of Emergency Medicine. Alguns anos depois, a ultrassonografia pleural também foi introduzida.
Apesar disso, algumas barreiras ainda existem e são atribuídas pelo pouco entendimento das bases e da evidência dessa modalidade de imagem. Muitas vezes os médicos depositam uma excessiva confiança no exame clínico tradicional, cuja evidência não é tão robusta quanto se pensava.
Desde a publicação deste artigo em 2018, a literatura do POCUS vem se consolidando e se fortalecendo a cada dia. Observe abaixo, na linha do tempo do PUBMED, como houve um aumento expressivo de trabalhos à partir de 2019:
Na sequência, seguem os comentários sobre as aplicações do POCUS abordadas nessa publicação:
1. Pleura
Recomenda-se o uso do POCUS para guiar procedimentos torácicos, incluindo aí o diagnóstico do pneumotórax antes da drenagem.
2. Insuficiência respiratória
Na tabela abaixo, extraída do protocolo BLUE (Lichtenstein and Meizière, 2008), nota-se a boa sensibilidade e especificidade do POCUS no diagnóstico das várias etiologias da insuficiência respiratória aguda.
3. Abdômen
O FAST tornou-se comum nas salas de emergência com foco bem claro no manuseio do trauma. Apesar disso, não possui uma sensibilidade ainda ideal.
Para o aneurisma de aorta abdominal o POCUS demonstrou uma sensibilidade e uma especificidade muito alta no departamento de emergência.
Outra área promissora é a ultrassonografia à beira do leito no paciente com cólica renal, onde os resultados são muito bons e com uma diminuição expressiva à exposição da radiação ionizante, por eliminar a necessidade de tomografia computadorizada.
A paracentese guiada por ultrassonografia tornou o procedimento mais seguro de complicações, principalmente as hemorrágicas, e com uma maior taxa de sucesso.
4. Parada cardiorrespiratória em Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP)
No paciente em AESP a presença de algum tipo de atividade muscular cardíaca visualizada à ultrassonografia e durante a reanimação foi associada a uma maior chance de retorno de circulação espontânea, a uma maior sobrevida e maior chance de alta hospitalar.
O uso do POCUS na AESP pode ajudar a estratificar precocemente qual paciente tem um prognóstico muito ruim (ausência de atividade cardíaca). Isso pode influenciar na decisão de se prosseguir ou não com as manobras de
reanimação. Se a etiologia da AESP for o tamponamento cardíaco, a sobrevida com alta hospitalar aumenta mais ainda.
Por outro lado, o uso da ultrassonografia pode atrasar a retomada das manobras de reanimação, devido às interrupções ocasionadas para a visualização cardíaca. Para minimizar esse problema, durante a reanimação cardiopulmonar, deve-se sincronizar a verificação do pulso com a aquisição de imagens ultrassonográficas em pequenos vídeos, possibilitando o estudo posterior, enquanto as compressões esternais são realizadas.
5. Ecocardiografia e choque
A utilização imediata e precoce (nos primeiros 5,8 minutos) do POCUS durante os estados de hipotensão indiferenciada pode aumentar muito o diagnóstico correto da etiologia do choque.
A incorporação do protocolo RUSH (Rapid ultrasound in shock and hypotension) utilizando a combinação de múltiplas janelas (coração, pleural, pulmão, veia cava inferior, aorta e peritônio) ajuda a identificar a etiologia dos vários tipos de choque (hipovolêmico, obstrutivo, cardiogênico e distributivo). Essa logística de atendimento possibilita o início rápido do tratamento específico, além de permitir o acompanhamento seriado para avaliar a resposta à terapêutica inicial. Esse benefício é particularmente útil nos pacientes com choque distributivo, onde há a possibilidade de se diagnosticar os efeitos de sobrecarga de volume no pulmão, a presença de disfunção cardíaca e ajudar na estratégia de decisão de início de vasopressores e inotrópicos.
Comentário e análise final
1. O POCUS não é uma “engenhoca”!
2. Existe uma sólida evidência de que, quando adequadamente utilizado e em protocolos com múltiplas janelas, melhora a acurácia do exame físico tradicional, no que diz respeito ao diagnóstico e manuseio do paciente agudamente enfermo.
3. Os procedimentos guiados pelo POCUS são realizados com maior segurança.
4. Com a disponibilização de aparelhos portáteis, a utilização do POCUS está se expandindo rapidamente e com muito entusiasmo, o que pode ser um perigo em mãos não treinadas ou habilitadas.
5. Deve-se considerar a integração dessa técnica nos currículos da graduação médica e da residência. Por isso, faz-se necessário que mais instrutores sejam capacitados.
6. Não existem evidências de danos causados pelo ultrassom.
7. Existem evidências da melhoria da relação médico-paciente com satisfação de ambos.
8. A literatura em saúde tem publicado cada vez mais sobre os potenciais usos do POCUS em várias áreas. Apesar disso, existem algumas dúvidas sobre relacionar o seu uso à diminuição da mortalidade e à aplicabilidade em doentes menos críticos. O tempo nos esclarecerá essas dúvidas.
Link para o artigo original: DOI: 10.7861/clinmedicine.18-3-219